segunda-feira, 21 de março de 2016

Arandu Arakuaa: Wdê Nnãkrda


Localização: Taguatinga, DF

Nájila Cristina (Vocais/Maracá)
 Zândhio Aquino (Guitarra/Viola Caipira/Vocais/Instrumentos Indígenas/Teclado)
 Saulo Lucena (Contrabaixo/Vocais de Apoio/Maracá)
Adriano Ferreira (Bateria/Percussão)

 
Gênero: heavy metal, música indígena, música regional brasileira



O mais do mesmo vem finalmente deixando de ser estrelinha no cenário brasileiro do metal. Hoje trazemos Arandu Arakuaa, um grupo construído sobre contrastes. Entre o bom e o velho heavy metal e uma inovadora mistura de sonoridades características do Brasil, Arandu Arakuaa insere sua temática voltada à cultura indígena.
Como “Tronco de árvore”, no idioma akwê xerente, chega o segundo full-length da banda. ‘Wdê Nnãkrda’ aprofunda a banda ainda mais em suas raízes indígenas e as desenterra de nós, brasileiros, trazendo-as à tona, à memória.

O álbum começa com “Watô Akwê” que quase como encarregada disso, nos coloca instantaneamente numa aldeia. A faixa posiciona o ouvinte primeiramente como um mero observador, de longe, perscrutando o que ocorre. Não muito depois, quem ouve é incitado a entrar em contato com o que propõe o título – “Sou Indígena”, em akwê xerente -. “Watô Akwê” invoca desconhecidos, invoca cada clã xerente a ritualizar junto, regado a maracás e passos no chão batido.

“Nhandugûasu” aparece sem rodeios uma vez que o ouvinte foi contextualizado – e desafiado – com a faixa anterior. O metal se mostra pesado, belamente cadenciado, trazendo o instrumental como um fiel apoio e intro para acompanhar o gutural de Nájila Cristina. O inesperado quebra lindamente a música pela primeira vez quando acua o metal, acalmando-o numa cantiga de roda com vocais limpos divididos em naipes.

“Hêwaka Waktû” continua com a suavidade do fim de “Nhandûguasu”. É crescente e começa leve e melódica, para logo dar lugar a um coro em uníssono, meio enraivecido. Isso antecede perfeitamente a entrada do gutural combinado com riffs rápidos e também com o contrabaixo bem postado de Saulo Lucena. “Hêwaka Waktû” diminui bruscamente para a melodia do início, com o leve doce da viola. A faixa realmente se apresenta como uma chuva que se aproxima: primeiro a calmaria, depois a garoa que logo vira torrencial e se derruba em raios e trovões até diminuir e cessar por completo.

“Dazihãzumze” chega leve. Traz consigo a tranquilidade de uma comemoração na aldeia. Esse sentimento modesto tem ênfase nos vocais: os ternos vocais de Nájila, após uma longa intro; o vocal rítmico de Zândhio Aquino e ao final, quando a faixa primeiro cresce até virar uma espécie de confronto entre feras da selva, para depois morrer na voz distante de criancinhas brincando.

“Padi”  entra e todo o teu corpo se concentra e imediatamente presta atenção desde o primeiro riff. A bateria muito bem marcada por Adriano Ferreira casa perfeitamente com a voz da vocalista. O contraste aqui ocorre nos vocais, na medida que a música encorpa e carrega a faixa no momento certo, como se um índio calculasse com precisão o momento de lançar sua flecha do arco. A música em seguida entra em estado de espera, ela reverencia a voz de Zândhio porque a segue, acompanhando-a somente de maracás.

A próxima faixa é a instrumental “Wawã”, em 'Wdê Nnãkrda' ela funciona como aquela faixa balada que alguns álbuns de metal trazem. "Wawã" parece ideal para se vislumbrar como seria estar numa barca no meio do Rio Amazonas, observando sua imensidão.

            O inusitado do Arandu Arakuaa não mora somente em quebrar a música até que você não saiba prever o que virá, ele também existe ao colocar ritmos um tanto inesperados para um CD de metal. “Iwapru” começa pesadíssima, obviamente sempre contrastando vocais e unindo-os à guitarra. Logo, o mais inesperado mesmo ocorre: um samba! Este ritmo tão brasileiro aparece na faixa da mesma maneira que some. E como se fosse coisa da cabeça do ouvinte, a música volta para seu heavy/death com a cozinha infalível e assim, gutural, riffs rápidos e bateria finalizam a faixa da melhor forma.

“Nhanderú” e “Ĩpredu”  são as mais mescladas, em questão de mistura entre metal e cantos indígenas, porque é nelas que residem as junções perfeitas entre maracá, guitarras, bateria, vozes limpas em uníssono e gutural fechado.

“Sumarã” é um dos destaques deste álbum ao lado de “Hewâka Waktû” e “Padi”. Os vocais profundos de Zândhio, numa faixa instrumentalmente mais suave, denunciam a seriedade que retrata a faixa, “Inimigo”, em tupi. Riffs distorcidos circundam o gutural de Nájila tão bem quanto alguém a espreita na floresta, fora que no momento em que ela vocifera A-poro-îuká-potar!”, mesmo que não se entenda que aquilo diz “Eu quero matar!”, o ouvinte a sente como uma poderosa frase de efeito.

A última música é a única em português do álbum. “Povo Vermelho” conta, sob vocais suaves, a vida na aldeia antes da invasão do homem branco, até que começam os sussurros... Eles tornam “Povo Vermelho” mais sombria neste ponto. O gutural aqui vem com sua função de choque ainda mais aguçada porque permeia letras de luta e de resistência, e isso tudo é visível quando a vocalista dá vida a afiada estrofe: “O povo vermelho resiste, o povo vermelho resiste / Enquanto houver terra, enquanto houver mata / O povo vermelho resiste, o povo vermelho resiste / Enquanto houver espirito, enquanto houver sangue”.

‘Wdê Nnãkrda’ é um álbum que, embora não seja conceitual, traz a merecidíssima atenção à cultura que aqui já existia antes dos colonizadores. Ressalta o tempo todo que é preciso que a cultura indígena não morra. É preciso impedir que a terra morra, para que a Terra não morra. Os vocais sempre brasileiramente muito bem representados, seja quando cantados nos idiomas indígenas ou em português, dão força e visibilidade à resistência indígena. À essa luta se une Arandu Arakuaa, trazendo sempre sua sonoridade ímpar muito bem construída e encaixada. Com ‘Wdê Nnãkrda’, Arandu Arakuaa se mostra forte como um tronco de árvore, enraizado profundamente com a mãe Terra.







Postado por Caterine Souza

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